Uma análise da identidade cultural através do cinema e a busca de ver a si mesmo
Sem referências de preservação audiovisual, mas cientes da existência de produção no Grande Bom Jardim, o grupo “Imagens na Periferia: memórias, preservação e acesso ao audiovisual do Grande Bom Jardim” busca, como o nome já anuncia, resgatar, preservar e propagar a memória e identidade cultural do território a partir da sétima arte realizada na área.
Do Extensivo em Audiovisual aos Laboratórios de Pesquisa da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural Bom Jardim (ECA/CCBJ), os pesquisadores que fizeram um levantamento fílmico do Grande Bom Jardim durante o processo de pesquisa desenvolvido no equipamento também são contribuintes do conteúdo que preenche o agrupamento das obras fílmicas do território ao qual pertencem.
Elvis Alves e Henrique Sales, conhecido como Ricco, foram estudantes do Programa de Audiovisual da Escola do CCBJ, a ECA, na segunda turma do Extensivo em Audiovisual. O percurso se estendeu de 2021 até 2022, quando Willi Sales, estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), passou a participar da formação como monitora.
O caminho dos três se cruzou através do CCBJ. E do audiovisual. Ricco e Elvis se conheceram em 2019, em um curso de roteiro realizado no equipamento. Desde então, tornaram-se amigos inseparáveis e parceiros de trabalho – colaboração notável pela produção do “Noites em Claro”, filme dirigido e roteirizado por Elvis e produzido por Ricco para ser apresentado como trabalho de conclusão do curso de extensão em audiovisual, contando com Willi como técnica de som.
A produção, realizada no Bom Jardim/Granja Lisboa, tem rodado festivais e mostras de cinema pelo Brasil, tendo sido premiada algumas vezes. Em 2022, Willi chega para somar ao time e, em 2023, o trio toma para si uma nova empreitada: construir um trabalho de pesquisa que contribua para fortalecer o cenário no qual os três estão inseridos.
Moradores do bairro Granja Lisboa e Granja Portugal, que compõem o território ao qual a pesquisa do grupo se delimita, Ricco, Elvis e Willi se lançam em uma busca que também se trata de si mesmos. Do desejo de celebrar o cinema do Grande Bom Jardim, Ricco e Elvis já ruminavam possibilidades de realizar uma mostra das produções realizadas no território.
Quando abriram as inscrições dos Laboratórios de Pesquisa da Escola de Cultura e Artes do CCBJ, eles resgataram o tema e encontraram em torno de 40 filmes produzidos em seu território de origem. Durante os cinco meses do processo de pesquisa, os três pesquisadores dividiram seu trabalho em teoria, pesquisa de campo e catalogação.
Eles consultaram uma bibliografia relacionada à história, arquivística e preservação, e visitaram instituições que trabalham com preservação. Além disso, fizeram aplicação de formulário, conversaram com realizadores e fizeram a catalogação dos filmes, que, embora tenham identificado em maior quantidade, chegaram a 12 ou 15 obras devidamente catalogadas pelo grupo.
“A gente tá sendo bem pioneiro”, afirma Willi Sales, frente a escassez que observaram no cenário de preservação audiovisual. Um dos acontecimentos que despertou essa perspectiva foi a tentativa de visita ao acervo da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult CE), que não deixou de ser apenas uma tentativa porque o acervo que deveria conter as produções cearenses está ao léu.
“A gente não tinha ideia da discussão que a gente tava abrindo”, diz Elvis. A iniciativa dos jovens cineastas, então, se lança sobre um universo do qual não conseguiram encontrar muitas referências. Ainda assim, e a despeito dos desafios encontrados pela dificuldade de acessar as instituições oficiais e de conseguir retorno dos realizadores, conhecer a história do bairro foi um dos principais ganhos reconhecidos pelo grupo.
Debruçar-se sobre o Grande Bom Jardim, para o grupo, significa olhar para a própria história e descobri-la. Não à toa, a própria produção deles foi contabilizada no processo de pesquisa e catalogação, desenvolvendo um histórico para que possam espelhar seus trabalhos, delinear uma estética da periferia e demarcar a produção artística que já acontece no território.
Produzir e preservar memória
Para Willi Sales, a experiência na pesquisa não foi a primeira, mas a surpreendeu positivamente. Elvis também já havia entrado em contato com a pesquisa na graduação. Já Ricco se pergunta se teria a oportunidade de desenvolver pesquisa se não houvesse os Laboratórios de Pesquisa do ECA/CCBJ. “Se não tivesse no CCBJ, onde eu faria isso?”
Enquanto Willi relata a falta de acolhimento e até de orientação em sua experiência passada, em uma disciplina da faculdade, Elvis conta que sua proposta de TCC, o trabalho de conclusão de curso de Publicidade, ficou como segundo plano devido às exigências técnicas da instituição. Para a faculdade, era mais importante as informações adicionais solicitadas pela instituição do que o produto audiovisual ao qual ele se dedicou a apresentar como TCC.
A possibilidade de explorar caminhos diferentes na pesquisa, para Elvis, foi aberta no Laboratório de Pesquisa Audiovisual, que ele define como “sem amarras”. Para Willi, a escolha do orientador e as partilhas entre os grupos de pesquisa “tornam o processo mais humano”.
Ricco, que teve o início do seu trabalho audiovisual diretamente associado ao Centro Cultural Bom Jardim, define a importância da pesquisa como uma forma de pontuar que, na periferia, não só se produz, mas também é necessário estudo para produzir e fomento para a pesquisa.
Elvis pontua a existência dos Laboratórios de Pesquisa como fruto da demanda da produção artística e acredita que o serviço incentiva conexões e demarca que “arte na periferia não é excepcional”. Conforme Willi, “na periferia se produz arte e pesquisa”. E eles podem comprovar pelo pŕojeto “Imagens da Periferia” e pelo trabalho audiovisual que vêm desenvolvendo no território no qual vivem e, agora, também pesquisam.
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