Incentivando meninas e mulheres da comunidade a investirem em seus futuros em áreas da tecnologia, o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), equipamento da Rede Pública de Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura do Ceará (SECULT), gerido em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM), promoveu de junho a agosto de 2023 o curso Mulheres na Programação: Desenvolvimento de Jogos Digitais.
Por meio do Programa de Cultura Digital da Escola de Cultura e Artes (ECA/CCBJ), as 15 mulheres selecionadas viveram um percurso formativo de cerca de três meses, aprendendo desde os fundamentos básicos dos Jogos Digitais, descobrindo a cultura e o mercado do segmento no Brasil, até a parte prática da profissão, mergulhando nos processos de Game Design, sonoplastia e lógica de programação, utilizando programas de Software Livre como Inkscape e a engine GDevelop 5.
Diêgo Barros conta que o Programa de Cultura Digital do CCBJ, do qual ele é coordenador, já ofertou algumas formações na área do desenvolvimento de jogos digitais ao longo dos últimos anos, mas a diversidade do público era um fator a ser melhorado. “Observou-se que a participação do público feminino, LGBTQIAP+ e de Pessoas com Deficiência (PcD) ainda estava bem aquém do ideal” e, assim, a proposta do curso foi lançada a este público.
O intuito da formação, segundo Diêgo Barros, foi “contribuir com a formação de uma geração de mulheres desenvolvedoras de jogos digitais no território do Grande Bom Jardim”. A iniciativa foi motivada por conversas informais com mulheres que participavam de outros cursos do Programa de Cultura Digital.
Ainda que interessadas no desenvolvimento de games e em áreas afins, o ambiente majoritariamente masculino, conforme notado pela equipe pedagógica de Cultura Digital, acabava por distanciar essas mulheres da inscrição em cursos voltados para a programação de computadores e criação de jogos digitais, por exemplo.
Incentivando a participação do público feminino e contribuindo para maior diversidade de profissionais na área da programação digital, o curso “Mulheres na Programação: Desenvolvimento de Jogos Digitais” não só foi voltado para as mulheres, como contou com um corpo docente majoritariamente feminino e com uma temática de trabalho de conclusão centrada nas mulheres.
Eduarda Sousa, uma das alunas do curso, acredita que a área da tecnologia é muito dominada por homens e, por isso, considera importante a presença de mulheres enquanto produtoras na área. “Eu acho que é importante a criação de uma turma exclusiva [para mulheres] para mostrar que nós queremos sim ocupar esse espaço e que o motivo de nós não conseguirmos vai muito além da nossa falta de vontade. É uma questão estrutural mesmo.”
Ao promover a formação, a maior expectativa da equipe do Programa de Cultura Digital era ter jogos digitais publicados e realizados pelos alunos, e assim foi feito. Com o tema “Mulheres Nordestinas Históricas”, a proposta dos jogos desenvolvidos pelas estudantes trazia as mulheres ao protagonismo da narrativa.
O curso de 130 horas/aula foi dividido em quatro módulos: “Arte Digital e Game Design”, com a professora Renata Barros; “Sonoplastia”, com a professora Isabele Carvalho, “Programação”, com o professor Ismael Maciel e, por fim, o “Projeto Final”, no qual as estudantes formaram duas equipes para criar um game autoral.
Renata Barros, vale ressaltar, é uma das fundadoras do coletivo Flower Bots, desenvolvido no curso de Extensão em Jogos Digitais da ECA/CCBJ. Em 2022, ela também participou do Laboratório de Pesquisa e desenvolveu pesquisas sobre a cultura indígena Tabajara. De estudante, ela passou para a docência no CCBJ, contribuindo para a formação de mais mulheres em sua área de atuação.
Acompanhadas pela equipe docente e amparadas por mentorias, as participantes deveriam desenvolver jogos com narrativas, cenários, personagens, desafios, obstáculos e interface. Com foco no processo de desenvolvimento de jogos digitais e suas diversas etapas, as estudantes formadas podem atuar nas áreas de Arte Digital, Game Design, Sonoplastia e Programação aplicadas a jogos digitais, embora o curso as habilite a atuar também em outros campos do universo das Tecnologias da Informação e Comunicação.
Rachel de Queiroz, Maria Bonita e as mulheres na programação
Luísa Vitória, de 21 anos, é frequentadora do Centro Cultural Bom Jardim desde criança. Foi também na infância que seu fascínio por games surgiu. Mas ela não estava satisfeita apenas em consumir, cresceu nutrindo o interesse de desenvolver um jogo. Esta foi sua motivação para se inscrever no curso “Mulheres na Programação”, no qual teve a oportunidade de, junto de seis outras integrantes, realizar seu desejo: elas criaram o jogo “1915”.
Quando o tema do trabalho final foi proposto, a equipe pensou em Rachel de Queiroz, a autora da obra literária que batizou o jogo. As sete jovens inspiraram o jogo em Chico Bento, personagem do livro “O Quinze”, que retrata o período da seca de 1915 no sertão cearense. “Fizemos isso pensando em representar sua obra, incluindo ela [Rachel de Queiroz] como narradora”, conta Luísa Vitória.
Embora o processo tenha sido desafiador, a concludente considera a finalização do curso recompensadora, tendo atuado no Game Design e na Programação do jogo. “Apresentar um projeto feito durante três semanas é uma conquista para as mãos inexperientes e me ajudou a confiar mais nas minhas próprias capacidades”, revela.
A experiência de trabalho coletivo, sublinhada por Diêgo Barros como um componente importante para o percurso formativo, também foi um fator relevante para Luísa Vitória. A estudante afirma o curso como uma “ótima experiência de trabalho em equipe” e acrescenta o saldo positivo que obteve: “aprendi muito com o auxílio dos professores no desenvolvimento tanto do jogo, quanto da equipe em si e pude testar minhas capacidades de gestão”.
Eduarda Sousa partilha da percepção positiva acerca do trabalho coletivo. “Acho que uma das coisas que mais foram interessantes foi o trabalho em equipe que a gente realizou, senti que todas as meninas levaram o trabalho muito a sério e isso foi ideal pra gente conseguir se organizar e ir produzindo.”, conta a concludente.
As oito componentes da equipe da qual Eduarda fez parte produziram o jogo “Maria Bonita”, em referência à cangaceira do bando de Lampião, que, no jogo, precisa enfrentar os obstáculos da estrada de terra sertaneja. Para a estudante, “a experiência de desenvolver um jogo foi incrível, os professores foram muito parceiros e nos ajudaram a todo instante durante o processo.”
Ela conta que conheceu o CCBJ com o “Mulheres na Programação”, ingressando na formação quando estava de férias da faculdade, visualizando a oportunidade de entrar na área de jogos digitais de maneira “mais profissional”, ultrapassando a relação de consumidora de jogos. Ela se surpreendeu com o resultado. ”Eu fui pro curso pensando que seria algo mais simples, sabe? E aprendi muita coisa mesmo!”, conta.
“Eu sempre gostei muito de jogos e estar do outro lado, no lado de quem está produzindo para outras pessoas jogarem, foi uma experiência muito massa”, diz Eduarda Sousa. A estudante declara que o seu gosto por jogos foi o que a motivou a se inscrever no curso e, por conseguinte, a leva ao sentimento de realização por tê-lo concluído.
Eduarda não é a única a manifestar satisfação pela participação no curso. Andressa Fernandes, uma das estudantes responsável pelo desenvolvimento do jogo “1915”, também traz seu depoimento positivo sobre o percurso formativo:
Além de promover a inclusão de pessoas LGBTQIAP+, com deficiência e, sobretudo, do gênero feminino, o recorte político também leva em conta questões socioeconômicas no projeto educativo. Voltado para jovens entre 15 e 29 anos, o curso contemplou um público que está iniciando uma carreira profissional e que também é periférico.
Pensando nisso, a equipe pedagógica de Cultura Digital adota integralmente o uso de Softwares Livres, almejando o conhecimento em tecnologia digital sem restrições de acesso, “dando a oportunidade de produção artístico-digital às pessoas que não teriam acesso a programas de computador proprietários, cujas licenças são caríssimas e inacesśiveis à maioria da população brasileira, principalmente a periférica”, conforme o coordenador do Programa de Cultura Digital.
Enquanto moradora do Grande Bom Jardim, território onde o CCBJ se localiza e atua, Maria Luísa pontua a importância da iniciativa por apontar possibilidades. “É importante um curso como este para que as pessoas do gênero feminino, periféricas, que se interessam por jogos ou pela criação de narrativas imersivas, possam ver a possibilidade de fazer parte de um mercado que muitas vezes é caro e inacessível, podendo assim produzir suas próprias narrativas dentro de um jogo”.
Contar as próprias histórias, afinal, não é importante apenas para Luísa Vitória, mas para toda a turma. Diêgo conta que as alunas são “jogadoras assíduas de games disponíveis no mercado e se incomodavam com o modo como as mulheres eram retratadas, na maioria das vezes como coadjuvantes e de modo sexualizado”. Elas, então, encontraram na criação dos jogos um meio de realizar o que gostariam de ver enquanto consumidoras.
Uma vez concluída a jornada de formação, a equipe pedagógica da ECA/CCBJ projeta expectativas de que o curso seja o pontapé inicial para a criação de coletivos de mulheres desenvolvedoras de games do território do Grande Bom Jardim e se orgulha dos jogos resultados da dedicação das estudantes formadas no curso “Mulheres na Programação: Desenvolvimento de Jogos Digitais”.
As mulheres na programação:
O Quinze | Maria Bonita |
Alexandra Sousa da Cruz | Adrielly Miranda da Silva |
Ana Andressa Fernandes Moreira de Sousa | Andressa Hilario Lopes |
Ana Clara Boaventura de Oliveira | Francisca Janaína Duarte Santos |
Luísa Vitória Mesquita de Oliveira | Iorana Pitombeira Reis de Oliveira |
Maria Clara Rodrigues de Sousa | Jayne Lia Uchoa da Silva |
Vanessa Hilario Lopes | Letícia da Silva Martins |
Vitoria Kenelly Santos da Silva | Maria Eduarda de Sousa Alves |
Mariana Da Silva Rebouças de Carvalho |
Coordenador do Programa de Cultura Digital deixa recado à equipe e às concludentes do curso “Mulheres na Programação”
Parabéns às 15 estudantes que concluíram o Curso “Mulheres na Programação: Desenvolvimento de Jogos Digitais” da Escola de Cultura e Artes CCBJ!!! Um agradecimento especial aos monitores da turma, Karine Almeida e Miguel Ângelo Nascimento, pelo empenho durante as aulas e pelo apoio técnico durante o período de desenvolvimento dos jogos. Também à equipe de professores: Renata Barros, Isabele Carvalho e Ismael Maciel, pela troca de saberes e experiências com turma. Agradeço ao João Pedro Rabelo, assistente pedagógico, e ao Wyll Mota, mediador digital, pelo excelente trabalho realizado. Por fim, gratidão à Equipe Pedagógica da ECA/CCBJ pela confiança, por acreditar e incentivar o nosso sonho de um mundo onde o acesso às tecnologias digitais é livre e onde as experiências de criação de arte digital podem ser vivenciadas sem barreiras. Abraços fraternos! Diêgo Barros. |
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