Anúncio: inscrições abertas para participar do Lar Doce Lar e reformar a sua casa! A proposta parece tentadora, mas é falsa. Do anúncio que circulava em uma rede social para participar do famoso quadro de um programa de televisão, surgiu a ideia para o projeto de pesquisa “Segurança de dados e pessoas em vulnerabilidade social: um estudo exploratório”, desenvolvido no Laboratório de Pesquisa de Cultura Digital, por meio da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ).
Thalita Feitosa tomou conhecimento do anúncio falso por meio de sua mãe, de 40 anos, que acreditou na veracidade da propaganda. E ela não era a única. Olhando os comentários da publicação, Thalita observou uma quantidade considerável de pessoas acreditando naquele anúncio que, provavelmente, se implicaria em um golpe a quem clicasse.
Essa observação suscitou a desconfiança de que existe uma relação entre os riscos aos dados dos usuários das redes e as pessoas em situação de vulnerabilidade social, uma vez que as pessoas interessadas em participar de um programa de TV que oferece reconstruir a sua casa são aquelas pertencentes a classes sociais menos favorecidas.
O olhar apurado de Thalita juntou-se ao de seus amigos de adolescência: Lemuel dos Santos e Ronis André da Silva. Juntos desde o ensino médio, os jovens de 21 anos inscreveram o projeto nos Laboratórios de Pesquisa 2023, levando em conta a experiência de cada um na área da Cultura Digital e a sua relação com a periferia.
Ao longo do processo, os pesquisadores dividiram as etapas do trabalho de pesquisa na produção de conteúdo e consultas bibliográficas, aplicação de formulário online e visitas a escolas EJA, voltadas para a educação de jovens adultos, para realizar entrevistas presencialmente. As duas escolas visitadas pelo grupo ficam localizadas nos bairros Parque Santana e Bom Jardim, em Fortaleza.
O grupo, formado por residentes de periferias da cidade – sendo essas Mondubim, Parque São José e Siqueira, onde moram Lemuel, Thalita e Ronis, respectivamente –, considera a pesquisa de campo o momento mais impactante do processo por poder visualizar como o tema pesquisado pelos três amigos afeta a sociedade. “É uma galera que não é vista”, afirma Ronis André.
Ele ressalta a importância do projeto do qual faz parte por se debruçar sobre uma questão pensando a forma como ela afeta um grupo social marginalizado. “As pessoas pensam que a periferia não tem conectividade”, diz, apontando que a pesquisa de seu grupo comprova justamente o contrário. A fala do pesquisador, então, resvala no resultado prático buscado pelo grupo; eles querem transformação social.
Pesquisa como ferramenta de transformação
Tendo a experiência no Laboratório do CCBJ como a primeira na área da pesquisa, Ronis se interessou em adentrar nesse universo devido ao viés social levado em conta no objeto da pesquisa e às ambições que o grupo possui. Eles almejam que o projeto desenvolvido por eles sirva para a criação de políticas públicas voltadas para a educação digital, pois, segundo Thalita, “nossa cultura não estava preparada para o ‘boom’ da tecnologia”.
O grupo chegou a essa conclusão por notar que todas as pessoas que estão conectadas na Internet estão suscetíveis aos riscos de fornecer seus dados, até mesmo os grupos que os pesquisadores menos esperavam. É o caso de pessoas com ensino superior, por exemplo, que são alvo comum de fraudes bancárias por, de acordo com Thalita Feitosa, fazerem mais compras online.
Inicialmente, os três amigos tinham o desejo de voltar a pesquisa para toda a cidade de Fortaleza. Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, que Lemuel define como uma experiência de muito aprendizado, com o suporte do professor mediador Alexandre Barbosa Lins, eles começaram a compreender como delimitar a pesquisa e o que perguntar para as pessoas entrevistadas pelo grupo.
“As pessoas não são só objetos de pesquisa, a gente consegue se enxergar nelas”, complementa Lemuel dos Santos, que já havia tido contato com a área da pesquisa na universidade ao desenvolver um artigo científico em uma disciplina introdutória. Ele e Thalita contam que, nos Laboratórios da Escola de Cultura e Artes do CCBJ, o contato humano e o suporte recebido ao longo do processo fizeram da pesquisa um trabalho mais proveitoso.
Com a elaboração de uma apresentação aos moldes de um seminário, a produção de um artigo científico e de mini documentário, Lemuel dos Santos, Ronis André e Thalita Feitosa voltam seu olhar de pesquisadores para a periferia e buscam a implicação prática de um trabalho que por vezes está associado somente à produção teórica. “Segurança de dados e pessoas em vulnerabilidade social: um estudo exploratório” mostra as possibilidades que se abrem quando a periferia é munida de condições para a produção intelectual e, nesse caso, científica.
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