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Companhias de teatro do Grande Bom Jardim são premiadas em festivais de esquetes de Fortaleza

15/03/2024

As esquetes “Rasga Mortalha”, da Escola de Teatros Periféricos, e “Três Luas Antes do Fim”, da Cia Zumbart, foram apresentadas e premiadas no dia 23 de fevereiro, no Festival de Esquetes de Fortaleza (FESFORT). O Coletivo Inflamável também recebeu indicações e foi premiado pela esquete “À Deriva na América do Sul” no festival Bivar de Teatro, que ocorreu no dia 10 de março, marcando seus 20 anos de história. Os grupos têm em comum sua origem e atuação no Grande Bom Jardim, em Fortaleza, demarcando a efervescente produção de teatro no território.

Na 22° edição do FESFORT, que aconteceu no Teatro da Praia, “Três Luas Antes do Fim” recebeu o prêmio de Melhor Maquiagem. “Rasga Mortalha” tornou-se destaque do evento, recebendo prêmios por Melhor Esquete, Melhor Direção e Melhor Atriz Coadjuvante. Já a 20º edição do festival Bivar de Teatro, ocorrida no Teatro Chico Anysio, premiou a esquete “À Deriva na América do Sul” por Melhor Iluminação.

À Deriva na América do Sul, produção do Coletivo Inflamável

Apresentação de ‘À Deriva na América do Sul’ (Foto: InCartaz)

A esquete do Coletivo Inflamável também foi indicada nas categorias de Melhor Ator, com Aurianderson Amaro, Melhor Maquiagem e Melhor Cenografia. O experimento cênico apresentado na 20º edição do festival de esquetes foi uma adaptação, considerada um desafio pelo coletivo, de um trabalho virtual para os palcos. “Entre tropeços, conseguimos chegar em um lugar digno”, conta Ítalo Saldanha, responsável pelo dramaturgismo de “À Deriva na América do Sul”.

A história narra a trajetória da tripulação de um barco pesqueiro que fica à deriva após uma grande tempestade em alto mar. 

“O desencontro de personalidades, o desespero, o individualismo, a incapacidade de articular as divergências e a inanição da população do barco contribuem para a manutenção da inércia de um povo que não sabe mais se um dia chegará. E aonde poderia chegar?”

Naldo de Freitas, integrante do Coletivo Inflamável que assina a iluminação da esquete recém premiada, revela estar muito feliz com o reconhecimento recebido pelo festival e grato aos companheiros do grupo. “Sei muito bem do trabalho que desenvolvemos dentro do Coletivo Inflamável e sei também do potencial individual e coletivo dos integrantes do coletivo”, diz.

Naldo de Freitas com o prêmio pela iluminação da esquete ‘À Deriva na América do Sul’ (Foto: Reprodução/ acervo pessoal)

Promovido há 20 anos, o festival de esquetes Bivar de Teatro surgiu na periferia de Fortaleza. “Estar envolvido em um evento com essa história é uma oportunidade única para conectar-se com a comunidade local, compartilhar nossas mensagens e contribuir para o fortalecimento do movimento teatral periférico”, diz Aurianderson Amaro, integrante do Coletivo Inflamável e da Cia Zumbart.

Para ele, a indicação e premiação no evento “contribuem para aumentar nossa visibilidade e reconhecimento” e podem atrair mais recursos para o fortalecimento do grupo. Aurianderson considera iniciativas como o festival Bivar de Teatro um “reflexo da resistência e da identidade cultural das comunidades periféricas”, relacionando-se com os fundamentos do Coletivo Inflamável, que existe há quatro anos e que, conforme Ítalo Saldanha, é oriundo da segunda turma do curso extensivo de Teatro do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ).

Realizada durante a pandemia de COVID-19, a produção do Coletivo Inflamável reflete sobre o período no qual foi concebida. Assim como “À Deriva na América do Sul”, as esquetes da Escola de Teatro Periféricos e da Companhia Zumbart também abordam questões sociais e políticas contemporâneas.

Rasga Mortalha, produção da Escola de Teatros Periféricos do Nóis de Teatro

‘Rasga Mortalha’ no palco do Teatro da Praia (Foto: Victor Augusto)

A Escola de Teatros Periféricos é uma iniciativa ainda jovem da companhia Nóis de Teatro. Com direção de Amanda Freire, integrante do Nóis de Teatro também conhecida como Amanda Quebrada, a esquete “Rasga Mortalha” foi produzida pela segunda turma do projeto, cuja formação está em andamento, durante o módulo “Teatros de Rua – Pelo direito à cidade”.

“Entendo [a premiação] como uma constante resposta à sociedade, ao sistema que insiste em exterminar a juventude negra-originária-lgbtqiap+-periférica. A dedicação aos módulos da escola, o envolvimento em cada aula, o cuidado com a turma, a vontade de fazer e estar juntes refletem nas premiações que a turma recebeu”, afirma Amanda, que recebeu o prêmio “Gasparina Germano”, marcando sua terceira vez desempenhando a função de diretora.

Ela considera as premiações como uma surpresa que deixou impactos positivos e observa a turma “mais empolgada e ainda mais responsável pelo fazer, ter o cuidado com o público, com o texto, com as questões produtivas de cena”. Sobre o prêmio de Melhor Direção, Amanda Quebrada conta que deixou-lhe mais confiante a experimentar e se aprofundar em outras funções no teatro, carregando consigo Altemar di Monteiro, Andréia Pires, Roberta Marques, Luciana Vieira, Elvis Alves e Edna Freire como referências.

‘Rasga Mortalha’ no 22º Festival de Esquetes de Fortaleza (Foto: Victor Augusto)

A narrativa de “Rasga Mortalha” se desenvolve a partir de um corpo encontrado na periferia, gerando especulações por parte da mídia e da comunidade. A partir daí, a esquete acompanha o cortejo das corujas conhecidas como rasga mortalhas, que anunciam a chegada do corpo no plano espiritual.

“Afinal, de quem é o corpo? Qual a sua cor? A pessoa que morreu sou eu? É você?” 

A produção fictícia foi construída a partir das vivências e subjetividades de cada estudante de teatro da Escola de Teatros Periféricos e dos exercícios de improvisação realizados nas ruas ao redor da sede do Nóis de Teatro, localizada no bairro Granja Lisboa, onde as aulas acontecem. Pensado para a rua, o trabalho foi criado neste espaço e leva em conta a relação de cada pessoa envolvida no projeto com a cidade.

Três Luas Antes do Fim, produção da Companhia Zumbart

‘Três Luas Antes do Fim’ também circulou no Festival Bivar de Teatro (Foto: Reprodução/ Instagram)

A produção da Companhia Zumbart também carrega forte teor crítico. “Três Luas Antes do Fim” traz à sua narrativa um universo em que uma terceira lua pode estar se aproximando da Terra, o que provoca grande tensão e muitos conflitos na sociedade. A competição por poder, visibilidade e bem-estar são questões abordadas na trama.

“O mundo está em conflito, as tensões ficam cada vez mais constantes. A pressão de um sistema no qual não se pode confiar, faz Alfeus e Estrodos dormirem de olhos abertos! A qualquer momento tudo pode acontecer! A terceira lua está próxima e com ela o caos é seu eterno companheiro… Entre oprimidos e opressores que se misturam em meio a tantos desencontros e manipulações, quem são as verdadeiras vítimas? Quem vai cuidar de nós?”

A esquete foi pensada em consonância com os pilares da Cia Zumbart, que atua com base em manifestações afro-referenciadas. Embora tenha influência do teatro dos dramaturgos europeus Antonin Artaud e Bertolt Bretch, a capoeira, maculelê e puxada de rede são elementos fortemente presentes na construção cênica de “Três Luas Antes do Fim”.

“Criamos também um ambiente ritualístico e sensitivo por meio de figurino, maquiagem e adereços e de constante diálogo direto com o público, provocando-o a refletir sobre as situações ali presenciadas, que são reflexos dessa sociedade contemporânea”, conta Aurianderson Amaro, diretor da produção.

Integrantes da Cia Zumbart receberam o troféu Gasparina Germano no dia 23 de fevereiro (Foto: Reprodução/ Instagram)

Não é a primeira vez que a esquete “Três Luas Antes do Fim” é contemplada em festivais, mas o prêmio recebido pela Cia Zumbart no FESFORT reforça o reconhecimento pelo trabalho feito pelo grupo. “Isso é extremamente incentivador para o grupo, deixa todas as pessoas com uma sensação de que nosso esforço, as horas de ensaio, as entregas de trabalho árduo valem a pena!”, declara o diretor da esquete.

Produção artística feita pela periferia

A circulação das produções em festivais e o reconhecimento das companhias de teatro impulsionam a visibilidade e a continuidade da atuação de grupos como o Coletivo Inflamável, a Companhia Zumbart e o Nóis de Teatro, neste caso, causando impacto nos jovens formandos da sua Escola de Teatros Periféricos.

Voltada para a formação dramatúrgica de jovens moradores de periferia, na percepção de Amanda Quebrada, a premiação recebida pela Escola de Teatros Periféricos “reitera o que o Nóis [de Teatro] sempre acreditou, que a periferia pulsa arte mas que falta investimento, queremos mais escolas com referência negra, afroindigena, periférica”. “‘Nóis’ queremos em toda quebrada centros culturais, grupos de teatro, pontos de cultura fomentados pelo governo com a mesma atenção e dedicação voltada para os equipamentos que estão localizados no eixo Benfica-Centro-Aldeota”, complementa.

“a periferia pulsa arte, mas falta investimento”

“Estar nesses lugares, mostrando nosso trabalho, o nosso jeito de fazer, a nossa estética, é reafirmar um espaço que também é nosso e que muitas vezes é visto e posto de maneira longínqua e de acesso restrito”, afirma Aurianderson Amaro. “É mostrar que aqui nas comunidades também fazemos um teatro de qualidade e que sim, concorre e ganha prêmios porque somos tão bons como outros grupos que estão em posições mais favoráveis em muitos aspectos”, conclui.

Realizadas em território periférico, as produções dramatúrgicas fictícias recém premiadas e feitas pelos grupos do Grande Bom Jardim reafirmam as posições e visões de mundo das pessoas envolvidas, ancorando-se na linguagem, estéticas, visões de mundo e experiências vivenciadas no cotidiano de quem vive e produz arte nas periferias de Fortaleza e recebendo mérito por sua criação.

O Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) é um equipamento da Rede Pública de Equipamentos da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult CE), gerido pelo Instituto Dragão do Mar (IDM).

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