Para onde uma pista de skate pode levar? A história de Valmir Rodrigues Jr. – conhecido como Tioksk ou simplesmente Kaska (Ksk) –, David Lucena e Lucas Evangelista mostra que esse tipo de pista que não desemboca em lugar algum pode levar à arte, à cultura e à produção intelectual.
Os três jovens adultos que se encontraram na vida por meio da pista de skate do bairro Bom Jardim, quando ainda eram adolescentes, não imaginavam que sua trajetória os levaria a se tornarem, além de artistas, pesquisadores nos Laboratórios de Pesquisa da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural Bom Jardim (ECA/CCBJ), com o projeto “Bomjarmaps”, em 2023.
David, 27, conta que, através do skate, eles começaram a fazer rima “de zoação”, até que viram potencial para tornar a diversão algo sério. Nesse período, quando tinha 16 anos, para além da atuação como MC, Young Trezzer, como é chamado, começou a participar de projetos sociais e aprendeu a trabalhar com produção musical.
Lucas, 24, é um instrumentista apaixonado por música desde a infância, mas o Hip Hop só chegou em sua vida quando passou a frequentar a pista de skate que Kaska e David ocupavam. Aos 16 anos, ele começou a trabalhar com produção musical, fazendo música a partir do beat do rap. Foi ali também onde David e Kaska começaram a fazer rima.
À época, quando tinha entre 19 e 20 anos, Kaska, 29, também começou a entender sobre produção e teoria musical, participava de saraus e fazia rimas como MC. Ele fazia parte do grupo Sem Saída e é um dos idealizadores do coletivo Covil Cran, do qual David também é membro, que foi contemplado na Convocatória para Manutenção das Atividades Artísticas e Culturais de Grupos e Coletivos do CCBJ.
O projeto desenvolvido no Laboratório de Pesquisa em Música do CCBJ representa o engrossamento da relação do grupo com o equipamento, trazendo à tona a necessidade de falar sobre a movimentação artística que acontece no Grande Bom Jardim, território onde os três pesquisadores do projeto “Bomjarmaps” demonstram orgulho em residir.
Movidos pelo desejo de “procurar inspirações daqui”, Tioksk, David e Lucas depararam-se com a inquietação pela queda da efervescência do Hip Hop no território e, por meio do “Bomjarmaps”, pretendem alavancar os eventos da cena dessa vertente cultural, bem como seus artistas e coletivos.
“Era massa a circulação antes, mas os artistas têm dificuldade”, afirma David Lucena sobre os desafios de dar continuidade ao trabalho artístico devido à escassez de fomento. Segundo Kaska, portanto, um dos principais objetivos do projeto de pesquisa “Bomjarmaps” é “criar maior circulação”, pois normalmente “a galera só faz e solta”, sem depreender de recursos para distribuição e divulgação.
Para isso, eles fizeram um pré-mapeamento das iniciativas de Hip Hop existentes nos bairros do Grande Bom Jardim. Em seguida, aplicaram um questionário que chegou a 41 artistas musicais de Hip Hop no território, além de realizarem entrevistas com cinco desses artistas (um por cada bairro) e desenvolverem uma cartografia. O que eles querem, então, é fazer o cenário voltar à ativa – e, como mostra a pesquisa do grupo, artista não falta.
A ideia inicial dos três parceiros de arte e pesquisa era criar um mapa que representasse as iniciativas voltadas para a música no Grande Bom Jardim. Levando em conta o histórico dos três com o Hip Hop, acharam por bem afunilar a pesquisa na vertente sobre a qual falam com propriedade e por experiência própria.
Não por acaso, eles estão entre os artistas contabilizados no projeto. Lucas Evangelista aponta que eles acabaram por fazer uma espécie de “autoanálise” no processo, ao mesmo tempo em que esbarraram na necessidade de ‘separar’ o artista do pesquisador em alguns momentos. Afinal, além de pesquisadores, contribuem para a cena do Hip Hop no Grande Bom Jardim com suas produções artísticas e, por isso, seus nomes devem estar no mapa que pretendem construir para deixar à mostra as pessoas que fazem a cena do Hip Hop acontecer no território.
Na contramão de um mapa de facções criminosas, Kaska pontua a importância do projeto de pesquisa do qual faz parte pela necessidade de mostrar o Grande Bom Jardim relacionado à arte e à cultura, ao invés da criminalidade comumente associada ao território periférico de Fortaleza. O resultado da pesquisa atesta o que eles já sabiam: existe arte no Grande Bom Jardim. E o grupo se compromete a dá-la maior visibilidade.
Na arte ou na pesquisa, produção intelectual de dentro para dentro
Durante a pesquisa que David Lucena, Valmir Rodrigues – o Kaska – e Lucas Evangelista desenvolveram no Laboratório de Pesquisa de Música da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural Bom Jardim, ouviram de um dos artistas entrevistados que se sentia motivado a fazer música só por vê-los realizando um projeto como o “Bomjarmaps”.
David revela esse relato com orgulho ao contar que sua maior expectativa para o projeto é “motivar a galera a continuar a fazer sua arte”. As expectativas dos parceiros de arte e pesquisa são externas a si mesmos, mas voltadas para dentro do território onde eles movimentam seus “corres”, que, como preza o próprio David, “a gente não quer que morra aqui”.
Para Lucas, saber que o movimento existe gera a possibilidade de espelhar outras pessoas. Impulsionar os pontos de cultura do território e dar visibilidade aos artistas do território, listados por Lucas e Kaska, também são propósitos centrais do grupo. Com sede de possibilitá-los, David e Lucas aceitaram o desafio de trabalhar com pesquisa pela primeira vez.
Kaska, que já havia tido experiência com pesquisa no ensino básico, conta que esse contato ajudou a desenvolver a pesquisa no Laboratório de Pesquisa do CCBJ, mas quando coloca as duas experiências em perspectiva, considera que “na escola, era um bagulho muito preso”. Hoje, ele pensa que o fato de estar, junto dos colegas, desenvolvendo um projeto de pesquisa pode motivar outros a também mergulhar neste universo.
Apesar dos desafios impostos pela limitação do tempo e pela dificuldade de encontrar material sobre o território, o grupo finalizou o processo no Laboratório de Pesquisa de Música com o esboço de um mapa que ilustra o Grande Bom Jardim como berço de arte, de onde eles seguem desenvolvendo produção intelectual – seja na rima, na composição musical ou na pesquisa.
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