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Fagulha: O início da chama que inventa de ser acessível entre o palco e a pesquisa

22/12/2023

Do encontro musical entre Álvaro Abreu, Berg Menezes e Victor de Oliveira, surgiu uma banda de rock, que leva o nome do segundo integrante citado, em 2016. Acostumados com os palcos e com estúdio, o grupo se viu de outra forma com o Laboratório de Pesquisa 2023, da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ). Com o projeto Fagulha, eles começaram a desenvolver pesquisa, levando a relação com a música para outros rumos.  

De criação, eles entendem bem. Envolvidos desde a adolescência com música, os três se conectaram através da linguagem e, ávidos pelos novos desafios apresentados pelo processo de pesquisa, uniram-se também para expandi-la. O projeto do grupo musical que se tornou também um grupo de pesquisa propõe novas formas de criar e consumir música a partir da inclusão, lançando-se sobre a acessibilidade como um dos componentes da criação artística.

Como surdos podem consumir música e como cegos podem curtir shows musicais? FAGULHA, formado também por Thaís Paz – que colabora com os projetos musicais da banda –, se lança sobre esse questionamento para compreender como tornar o trabalho musical, com o qual todos os integrantes do grupo de pesquisa atuam, possível a todas as pessoas. Como é comum no universo da pesquisa, o projeto surge de um incômodo: a acessibilidade enquanto ferramenta inserida em obras artísticas somente após sua finalização.

Interessados em transformar esse cenário, os pesquisadores realizaram visitas ao Instituto dos Cegos e ao Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES) e conversaram com pessoas cegas e com pessoas da comunidade surda para investigar a adesão desse público a espetáculos musicais e as suas formas de consumir música. Berg chama a atenção para a escassez de instituições voltadas a pessoas com deficiência (PcD), que explica a restrição da pesquisa de campo às duas instituições.

A partir dos diálogos construídos com essa comunidade que, conforme percebido por Álvaro, não é homogênea, eles começaram a pensar maneiras de tornar elementos que vão das luzes e do figurino até o cenário acessíveis a todos os públicos. Um desses recursos é a presença da intérprete de LIBRAS Vanessa de Assis. Ela divide o palco com os artistas pesquisadores, mas sua contribuição na acessibilidade é também artística. Na apresentação do grupo, Vanessa representa o elo entre a música e as artes visuais, tornando a performance bilíngue.

Durante os cinco meses em que se debruçaram sobre o tema, Berg, Victor e Álvaro fizeram algumas descobertas e, enquanto pessoas não-deficientes, despertaram para questões que os fizeram pensar “fora da caixa”. Como tornar o show imersivo para pessoas com deficiência visual foi uma das charadas que passou a movimentar o grupo, depois da questão ter sido levantada por um professor do Instituto dos Cegos, conta Victor de Oliveira.

Outro questionamento que exigiu da mente de Berg, Álvaro, Victor e Thaís foi a inserção de audiodescrição no show, mas a resposta já estava na proposta do próprio projeto: tornar a audiodescrição parte do espetáculo, mais um incremento artístico que abre mais possibilidades de criação e de expansão do público, uma vez que, como Berg é categórico em afirmar, eles estão dispostos a criar e apresentar música para todas as pessoas, não formular um tipo de produção voltada especificamente para pessoas com deficiência.

Além das visitas e dos dados consultados e produzidos pelo grupo, a segunda parte do processo de pesquisa se deu em um ambiente mais familiar: o estúdio. Lá eles puderam executar o que fazem de melhor – criar. Dessa vez, no entanto, a criação é derivada de um processo de pesquisa, o que gerou certa tensão com os resultados, confessa Berg.

O processo também lhes trouxe a constatação de que é numerosa a quantidade de pessoas surdas que não tem contato com música e de pessoas cegas que não têm o hábito de ir a shows. Isso, segundo o que eles apuraram na pesquisa, se deve à falta de acessibilidade comum a esses eventos. Se as produções não pressupõem a presença dessas pessoas enquanto público, cria-se o distanciamento estabelecido.

FAGULHA, então, inicia uma chama de novas possibilidades e pretende-se ser referência no que diz respeito à relação entre música e acessibilidade, imbricadas neste projeto. Além da performance e música autoral inédita, partilhada no dia 29 de novembro no Teatro Marcus Miranda do CCBJ como conclusão da trajetória, o grupo tem planos de levar os conhecimentos adquiridos no Laboratório de Pesquisa para os palcos do futuro.

Pesquisa enquanto alimento para a arte

Pode-se dizer que a relação dos integrantes do grupo Fagulha com o tema de pesquisa desenvolvido no Laboratório de Pesquisa em Música data de anos atrás. O contato de Berg Menezes, 38, com a comunidade surda tem início na escola Joaquim Nogueira, onde trabalhou como estagiário no período de sua graduação e onde conheceu adolescentes surdos na sala de aula. 

Foi também no período da licenciatura em Música que ele conheceu Victor de Oliveira, 31. Nas cinco disciplinas de estágio que os dois fizeram, veio também o primeiro contato com a pesquisa, por meio dos relatórios em formato de artigo que precisavam entregar para concluir as disciplinas.

Álvaro Abreu, 37, por sua vez, se declara autodidata na música. Sua formação acadêmica é em Publicidade e Propaganda e a sua relação com a pesquisa antes do Laboratório de Pesquisa em Música restringia-se ao TCC, o trabalho de conclusão de curso, em que escreveu uma monografia.

Os trabalhos acadêmicos não tornaram o desenvolvimento de pesquisa no Centro Cultural Bom Jardim menos desafiador, mas as diferenças entre os processos não passaram despercebidas. A abordagem e a metodologia do Laboratório de Pesquisa da Escola de Cultura e Artes (ECA/CCBJ) foram ressaltadas pelos participantes pela autonomia e pela liberdade que sentiram.

“É trabalhoso, mas é mais leve”. Em detrimento da experiência anterior na academia, Álvaro pontua que, nos Laboratórios de Pesquisa, o processo é mais fluido e mais livre, embora não deixe de ser formal. “A gente consegue se expressar melhor”, conclui.

Victor complementa o colega de música e pesquisa ressaltando a metodologia da ECA/CCBJ, pautada pela pedagogia das encruzilhadas. Para ele, as Partilhas dos Laboratórios de Pesquisa formam um “senso de comunidade” e possibilitam trocas de figurinhas, como a que tiveram com o projeto Sintético sobre acessibilidade, que enriquecem as experiências.

“Achei fantástica a experiência no Laboratório de Pesquisa”, afirma Berg. Comparando suas experiências anteriores na pesquisa, ele aponta primeiramente a disponibilidade de tempo como motivação para a sua afirmação. Na faculdade, o tempo se divide entre outras disciplinas, o que divide também a dedicação. A autonomia é outro fator determinante para Berg. “A gente foi estruturando [a pesquisa]”, enquanto na faculdade, em sua experiência, o professor era a “figura centralizadora do conhecimento”.

No Laboratório de Pesquisa do CCBJ, cada grupo conta com um orientador. No caso do Fagulha, o orientador é Denor Sousa, escolhido pelo próprio grupo – mais um elemento que contribui para a sensação de autonomia e liberdade percebido pelos pesquisadores do projeto, que também reconhecem o caráter prático do processo formativo como um ponto positivo.

Dos palcos à pesquisa e da pesquisa aos palcos, o projeto de pesquisa Fagulha não só se aplica à prática, como se retroalimenta no fazer deste coletivo musical que experimenta ou, no caso de Álvaro, já experimentou da linguagem até mesmo por trás dos palcos, na produção musical. A partir da pesquisa, o trabalho do projeto coletivo Berg Menezes começou a ser adaptado.

Desde 2019, o projeto musical busca dispor de acessibilidade e adaptar seus produtos. A entrada de Berg, Álvaro, Victor e Thaís nos Laboratórios de Pesquisa 2023 elevou o comprometimento do grupo com a causa e já os coloca em maior nível de proximidade com a comunidade surda, como observa Berg, proporcionando “mais do que música, uma experiência continuada”.

Dispostos a tomar os riscos de se tornar referência em uma produção artística essencialmente acessível, motivados pelo gosto por desafios e pelo desejo de se comunicar com todas as pessoas, o papel do desenvolvimento de pesquisa em torno da temática os ajudou a “compreender como ser acessível”, como diz Álvaro Abreu. E, para além da compreensão, o grupo coloca a acessibilidade enquanto prioridade no fazer artístico e enquanto ferramenta de criação e, assim, conforme afirma Berg, “inventa de ser acessível” e se apresenta como uma fagulha nessa construção.

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