Logo do Governo

Pedagogia das Encruzilhadas: Centro Cultural Bom Jardim recebe o professor e escritor que inspirou sua Escola de Cultura e Artes

14/09/2023

“Quando a gente pensa uma pedagogia das encruzilhadas, ela tem menos um desejo de efetividade metodológica e mais uma esperança de responsabilidade com as nossas ações”. A fala é do pedagogo Luiz Rufino, que foi recebido no Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) – equipamento da Rede Pública de Equipamentos da Secretaria de Cultura do Ceará, gerido em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM) –  por meio da sua Escola de Cultura e Artes (ECA).

Rufino juntou-se, no dia 29 de agosto, à mesa composta por Kelly Enne Saldanha, a coordenadora do Programa de Teatro da Escola de Cultura e Artes (ECA) do CCBJ que mediou o evento, e pela mestra da cultura do estado do Ceará Carla Mara, para falar sobre a pedagogia das encruzilhadas, seu objeto de pesquisa e filosofia de ensino aplicada na ECA.

Com a presença dos mestres da cultura Lula, do grupo Zumbi de Capoeira, e Pai Neto Tranca Rua, além da mestra Carla, foi formada uma roda de boas vindas a Luiz Rufino na Praça Central do CCBJ. Além dos mestres da cultura do Grande Bom Jardim, professores e coordenadores da Escola marcaram presença e participação na roda, contando com instrumentos de capoeira e manifestações de religiões de matriz africana. 

Esse momento inicial foi definido por Rufino como uma festa; uma oferenda a Exu, entidade que norteia a pedagogia das encruzilhadas. Nessa perspectiva, o pesquisador define a escola tradicional como espaço de reafirmação colonial, enquanto a pedagogia das encruzilhadas vai na contramão dessa lógica eurocêntrica.

“Se a gente acha que, por exemplo, barulho é um problema, pega um tambor e vamo tocar!”

Rufino, nesse sentido, referenciou a ECA do CCBJ como uma iniciativa potencial de trabalhar na contrapartida do papel colonizador que, segundo o pesquisador, as escolas têm cumprido. “Talvez uma “escola de cultura e arte”, com uma inspiração do arrebate de Exu, tem mais que fazer com que isso que vem dando certo comece a dar errado, comece a incorporar uma espécie de capoeiragem”.

Ao finalizar a fala de Rufino, Kelly Saldanha apontou a importância da periferia enquanto espaço de produção e destacou o momento em que o pesquisador falou sobre o estado constante de disputar vidas. O evento se seguiu com as contribuições das pessoas presentes na partilha de Luiz Rufino no CCBJ.

A vinda de Rufino ao Ceará ocorreu por meio do Centro Cultural Bom Jardim e do Porto Iracema das Artes. O avô de santo Pai Neto Tranca Rua pontua a importância do evento do CCBJ por “sair do terreiro e levar para as comunidades”, ampliando as práticas dos povos de terreiro para outros espaços.

O que é a pedagogia das encruzilhadas?

Segundo o próprio Luiz Rufino, autor do livro “Pedagogia das Encruzilhadas” (2019), o projeto pensa Exu como educação, trazendo a simbologia poética e política do orixá para pensar questões relacionadas aos campos da ética, das aprendizagens e da cultura.

Além disso, o método se lança sobre a crítica da herança colonial que afeta a educação. Sobre isso, o autor afirma que o modelo dominante resultado do processo colonial faz com que a educação “ao invés de ser um processo de liberdade, seja uma experiência profundamente castradora da criatividade e da capacidade humana no que tange às invenções e criações todas”.

Joaquim Araújo, gerente da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural Bom Jardim, define a pedagogia das encruzilhadas como uma “elaboração ancestral a partir das experiências religiosas dos terreiros de umbanda e do candomblé especificamente, através da entidade ou do orixá Exu”. Essa elaboração, feita por Rufino, é considerada por Joaquim uma forma de desconstrução da demonização de Exu.

A reflexão do profissional do CCBJ encontra reforço quando Luiz Rufino, no início de sua exposição, contou dos percalços na defesa de sua tese de doutorado acerca da pedagogia desenvolvida pelo autor, provocada pela resistência e dificuldade de compreensão da cultura dos povos de terreiro.

“Ele [Exu] está em tudo. [...] Se ele tá em tudo, ele participa de tudo, ele é o fundamento do conhecimento. Sendo um fundamento do conhecimento, ele é um fundamento da linguagem. Sendo um fundamento da linguagem, ele é um fundamento da política, ele é um fundamento da ética. Sendo um fundamento da política, um fundamento da ética, ele é um fundamento da educação.”

Conforme Rufino, “Exu é um princípio vivo” e, por isso, ele mesmo seria autor da própria teoria, não o objeto da pesquisa. Quando questionado pela professora da banca examinadora de sua tese acerca do seu objetivo em relação a Exu na educação, ele afirma que, tempos depois, descobriu o que queria: uma escola de samba.

“Quando eu entro aqui hoje, eu descubro que é uma escola que faz um grande carnaval e, talvez, eu acho que esse seja o grande mote. Eu acho que, talvez, o CCBJ esteja respondendo de forma mais potente à própria educação com Exu do que o que eu tenho feito no âmbito da pesquisa”, aponta o escritor.

A pedagogia das encruzilhadas no Centro Cultural Bom Jardim

“A equipe [da ECA] desenvolve sete encruzilhadas durante a semana inteira, que são encontros entre programas, entre alunos, entre professores e a própria equipe”, conta Joaquim Araújo. A partir das trocas de saberes, se constroem o que ele chama de encruzas entre os aprendizados.

Ao lado de Paulo Freire, Ana Mae Barbosa, Djanira e Conceição Evaristo, Luiz Rufino, com a pedagogia das encruzilhadas, é uma referência na construção da abordagem aplicada no CCBJ por meio da sua Escola de Cultura e Artes, que promove educação popular em diversas linguagens da cultura.

Cada processo formativo da ECA tem seu referencial na rua. Kelly explica que a metodologia da Escola é dividida em quatro eixos. Os cursos básicos seriam a calçada, onde o processo de formação é inicial; da calçada não se tem acesso a tudo e, embora já se tenha contato com o outro e algum nível de expansão da realidade, este ainda é mínimo.

Já os ateliês representam a esquina; a encruzilhada. Da esquina, já se tem maior campo de visão: é possível visualizar as ruas, a própria esquina e a calçada, ainda que não se tenha chegado nessas. Nos ateliês, é possível flertar com todos os caminhos possíveis de uma linguagem.

Os cursos técnicos e extensivos, por sua vez, são, nesta analogia, a rua. Na rua, já se tem mais liberdade e acesso. Os técnicos e extensivos aprofundam os conhecimentos dos ateliês.

Os laboratórios de pesquisa, por fim, contemplam a esquina, a calçada, as ruas e seus atravessamentos. Os laboratórios trazem as perspectivas dos ateliês e aprofundam os cursos básicos e técnicos/extensivos, promovendo imersão e possibilidades diversas. “A gente veio de uma estrada, pode ir pra outra; a gente pode fazer muita coisa nos laboratórios de pesquisa”, declarou Kelly. 

A construção apresentada por Kelly antes da mesa é uma adaptação da pedagogia das encruzilhadas, isto é, a Escola de Cultura e Artes desenvolveu a própria metodologia com base neste e em outros estudos.

A rua é pensada por Rufino a partir das oferendas a Exu dispostas nas esquinas. Essas oferendas são consideradas pelo autor como manifestações de um processo de resistência ao modelo social dominante herdado do processo de colonização. 

“Aqui no CCBJ foi uma alegria encontrar uma turma bastante animada e que de certa forma já encarna a pedagogia das encruzilhadas no seu fazer, no seu cotidiano a partir das experiências locais”, observa Luiz Rufino. Com essa fala, o pesquisador reconhece o exercício prático da teoria aplicado com louvor na ECA do CCBJ.

Compartilhar:

Notícias Relacionadas

Categorias

Comentários

0 Comentários

  |   Deixe um comentário »

Deixe o seu comentário!